terça-feira, 29 de abril de 2025

Um Tiro nas Costas da Sociedade – Ou Como Transformar um Trabalhador em Suspeito Apenas por Existir

Imagens da internet

Por Jânsen Leiros Jr.

Ele foi baleado pelas costas. Preso injustamente. Custodiado no hospital. E tudo por um celular que ele não roubou. Um artigo pra quem ainda tem vergonha na cara e para quem espera ainda poder recuperá-la.

Brasil, 2025. A vida de um jovem negro vale menos que um celular. E não é uma hipérbole retórica e nem mesmo uma pergunta. Antes fosse. É a anatomia nua e cruel de uma quase tragédia que vitimou Igor Melo de Carvalho, 32 anos, estudante, garçom, influenciador e, para azar da lógica institucional, brasileiro.

Na madrugada do dia 24 de fevereiro, Igor voltava do trabalho — veja bem, voltava do trabalho — na garupa de uma moto de aplicativo. Uma noite comum na vida de quem rala, como tantos outros milhões que garantem a sobrevivência na marra. Mas para Carlos Alberto de Jesus, policial militar aposentado (como se isso trouxesse alguma credencial para heroísmo improvisado), Igor não era um trabalhador. Era uma ameaça.

Por quê? Porque um celular havia sido roubado. E quem nunca achou razoável atirar nas costas de alguém com base em um palpite, que atire a primeira pedra. Ou melhor: que recarregue a pistola e mire nas costas do próximo trabalhador negro que passar pela rua.

A versão dos fatos é uma aula de distorção moral: o PM reformado confundiu Igor com o suposto ladrão que havia roubado o celular de sua esposa. Em vez de chamar a polícia — aquela com distintivo, viatura e dever de investigar — ele preferiu resolver no faroeste doméstico. Sacou a arma, atirou pelas costas, sem abordagem, sem voz de prisão, sem nem sequer saber quem era a pessoa. Acertou. Literalmente. E Igor perdeu um rim. Teve o estômago perfurado. O intestino afetado. Mas pelo menos o celular da dona ficou a salvo, né?

E o sistema fez o que sabe fazer: piorou. Igor, mesmo ferido, foi algemado no hospital. O mototaxista que só fazia seu trabalho, também. Porque, no Brasil, ser alvejado não basta. É preciso ainda carregar o estigma. O de suspeito, o de culpado até prova em contrário, o de “melhor verificar se não tem passagem”. As câmeras provaram o óbvio: estavam trabalhando. Mas, até lá, já tinham sido privados de liberdade, de dignidade e de presunção de inocência.

Não se trata apenas de abuso. Trata-se de uma estrutura que opera com a convicção de que existe um "perfil de culpado". Um rosto. Uma cor. Uma origem. E que qualquer policial, armado de arrogância e munição, pode ser juiz, júri e executor — sem perguntar nomes.

O policial reformado está solto. Igor, até outro dia, estava sob custódia no leito hospitalar. É disso que estamos falando quando dizemos que há uma guerra racial e social em curso. Só que travestida de "segurança pública".

E a cidadã, a esposa do policial, que apontou Igor como o suposto ladrão? Pediu desculpas? Retratou-se? Foi indiciada por falsa acusação? Ou seguiu a vida como quem perdeu um celular — e, no susto, ajudou a destruir a vida de um inocente? O silêncio dela é o retrato do pacto de indiferença social. Um pacto que naturaliza o “atire primeiro, descubra depois”.

Não podemos seguir normalizando isso, tirando o assunto da frente como quem descarta uma postagem qualquer no celular.

É preciso dizer: um celular vale menos que uma vida. Parece óbvio, mas não é. Porque, a cada dia, mais pessoas se acham no direito de avançar sobre a vida de outras — como o senhor aposentado — demonstrando exatamente o contrário.

Querem segurança? Comecem respeitando a Constituição. Querem justiça? Comecem responsabilizando quem atira antes de perguntar. Querem paz? Parem de criminalizar a existência de quem trabalha, de quem se locomove, de quem vive.

Igor agora se recupera. Ganhou uma oportunidade de trabalho em sua profissão. Recebeu apoio. Ganhou solidariedade — a mesma que o Estado lhe negou. Mas isso basta? Acabou tudo por aqui?

Não. Não enquanto continuar sendo possível atirar pelas costas num inocente — e ainda ser tratado como alguém que apenas "reagiu a um roubo".

Este caso é um divisor de águas. Ou a sociedade reage indignada — de verdade — ou o próximo Igor poderá não sairá do hospital. Irá direto para o cemitério. E aí talvez façam um minuto de silêncio. Só um. Antes de voltarem às suas vidas cotidianas, conferindo se o celular está no bolso.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Rindo da Honra – Crônica de um país que se perdeu

 

Por Jânsen Leiros Jr. 

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça...” — Rui Barbosa
… e de tanto ver o Brasil ser roubado, começamos a achar graça... da própria desgraça.

Na semana passada, a Polícia Federal deflagrou uma operação que descobriu uma das maiores fraudes da história recente do Brasil: 6,5 bilhões de reais desviados em benefícios previdenciários do INSS. Isso mesmo. Seis bilhões e meio. Não é erro de digitação.

Segundo o que foi apurado, servidores públicos e intermediários fraudavam aposentadorias, pensões, auxílios-doença e tudo mais que estivesse ao alcance do braço comprido da corrupção. Usavam documentos falsos, laudos forjados, pessoas mortas, CPFs inexistentes, e até processos judiciais plantados. Um esquema sofisticado, em que o crime se profissionalizou com a mesma eficiência com que o cidadão de bem é humilhado nas filas da Previdência.

Imagine agora o aposentado real, que trabalhou quarenta anos, contribuiu direitinho, e espera três, quatro, cinco meses — ou mais — para ter um benefício de R$ 1.300 liberado. Enquanto isso, fraudadores sacam pensões milionárias com certidões frias e contas quentes. Ninguém sabe quantos beneficiários fantasmas existiram. Mas os bilhões são reais. Muito reais.

Diante disso, o mínimo que podemos sentir é indignação. Mas já estamos tão anestesiados que o máximo que fazemos… é rir. Rir de nervoso, rir de desespero. Rir da honra. Porque neste país, a honestidade virou piada — e a corrupção, rotina.


Há quem se ofenda quando digo que o Brasil é um país de bandidos. Mas, ora, ofendem-se por quê? Porque é mentira… ou porque é verdade demais?

A verdade é que o apetite dos bandidos por dinheiro público neste país tem crescido de forma exponencial — e eles não estão nem disfarçando mais. É quase um esporte nacional.

Vamos lembrar de onde viemos. O primeiro presidente da República a sofrer impeachment caiu por um escândalo envolvendo… uma Fiat Elba. Um carro popular. Um presente indevido. Valor estimado, à época, na casa dos 10 mil dólares. Uma ninharia, perto do que viria depois.

Logo em seguida, o escândalo dos "anões do orçamento". Fraudes em emendas parlamentares, usando laranjas, ONGs fantasmas e dinheiro escorrendo pelo ralo da corrupção. Prejuízo estimado: 100 milhões de dólares. Um salto olímpico no roubo institucionalizado.

Avançando no tempo, tivemos mensalão, petrolão, rachadinhas, pastores com barras de ouro, malas de dinheiro, cuecas abarrotadas, offshores em paraísos fiscais… e agora, a cereja do bolo: fraudes nas contas de aposentados e pensionistas do INSS, com rombo de 6,5 bilhões de reais! Uma aberração contra os que mais precisam, os que menos têm.

A pergunta que ecoa: onde isso vai parar? Ou, talvez, mais importante: quando isso começou a parecer normal?

Como bem disse Rui Barbosa, “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” E é esse riso trágico que ouvimos hoje nos corredores da República.

Porque aqui, quanto maior a fraude, maior o prestígio. Quanto mais você rouba, mais você é respeitado — pelo menos entre seus pares. Porque, para o povo, o que sobra é o corte no remédio, a fila na previdência, a escola sem merenda e o transporte com catraca quebrada.

O Brasil virou um bufê aberto de recursos públicos, onde quem tem fome de desonestidade nunca sai de mãos vazias. E quem ousa denunciar é chamado de radical, de moralista, de ultrapassado.

Mas será mesmo ultrapassado querer um país decente? Será piegas pedir ética e justiça?

O que temos visto não é apenas corrupção. É uma falência moral, institucional e social. E isso não se resolve apenas com novas leis. Resolve-se com vergonha na cara. Com exemplo de cima para baixo. E com uma sociedade que se recuse a rir da própria desgraça, que decida, enfim, se levantar da cadeira da passividade.

O Brasil já teve orgulho. Já teve honra. Já teve heróis — ainda que anônimos. E ainda os tem, espalhados pelo país, sustentando esse chão com trabalho honesto e dignidade silenciosa.

É hora de trazer esses heróis à luz. De recusar o riso fácil diante da imoralidade. De olhar no espelho e recuperar o gosto por ser brasileiro — não pelo futebol, não pelo carnaval, mas pela possibilidade de sermos, de novo, uma nação séria.

É hora de romper o ciclo. De dar nome aos corruptos, de exigir justiça, de erguer a cabeça e não aceitar mais o título de país dos espertos, dos bandidos, dos impunes.

Enquanto isso, seguimos aqui — no rádio, na escrita, na resistência.
Não apenas tentando salvar alguma lucidez, mas plantando esperança lúcida, crítica e firme. Porque rir da honra pode até virar hábito. Mas lutar por ela ainda é o maior ato de amor que se pode oferecer a um país.

sábado, 29 de março de 2025

País do Faz de Conta, ou Onde Todos são Espertos Todos são Otários

Por Jânsen Leiros Jr. 

Vivemos em um país de ilusões bem ensaiadas e de combinação velada. Ninguém admite que fez tal acordo, mas todos sabem que funciona assim. Fazemos de conta que tudo funciona e que há “ordem e progresso”. Mas a verdade é totalmente outra, pois o Brasil tornou-se o retrato mais fiel do 'faz de conta'.

Faz de conta que somos uma democracia, quando na verdade temos um sistema refém de interesses subterrâneos e escusos. Faz de conta que temos um empresariado competente e inovador, quando uma significativa parcela do setor enriquece à sombra de subsídios e favores estatais. Faz de conta que o cidadão é honesto, enquanto sonega o que pode, não faz o que deve, e ainda se orgulha de "dar um jeitinho" e de “desenrolar uma parada”. Faz de conta que o Estado trabalha pelo povo, enquanto legisla em causa própria, apesar das necessidades da nação. O Brasil é o país onde a esperteza impera todos os dias. Mas ao ocaso, o malandro não passa de um otário. Sabotador de si mesmo e do outro.

Vivemos em um ciclo vicioso de desonestidade espalhada, onde o conceito de moralidade se esfarelou diante do relativismo conveniente e personalista. Quem está no poder usa a máquina pública para enriquecer; quem está fora sonha e luta para chegar lá e fazer o mesmo. Os empresários não investem em inovação ou em capacitação de quem pode ampliar sua produtividade. Em vez disso, gasta-se em proximidade com os políticos capazes de garantir privilégios e monopólios protegidos pelo Estado. O cidadão comum, por sua vez, denuncia enfaticamente a corrupção, mas compra produtos piratas, fura filas, aceita troco errado e não vê problema em burlar regras sempre que possível. É um jogo em que todos querem levar vantagem, sem perceber que tal comportamento nos arrasta para um abismo possivelmente sem volta.

Não se constrói uma nação baseada na malandragem. Enquanto continuarmos a cultuar a esperteza em detrimento da integridade, permaneceremos amarrados ao atraso e patinando na lama. A noção de bem coletivo perene foi trocada pelo egoísmo institucionalizado e urgente. O Estado não entrega, a população sonega e as corruptelas nossas de cada dia, resultam em um país que não sai do lugar. Se a regra subliminar é enganar para sobreviver, estamos inevitavelmente condenados a um futuro de mediocridade permanente e irreversível.

O Brasil não será o país com o futuro que sonhamos, enquanto permanecer atolado na desonestidade, conveniência e autoengano. Quem pensa que leva vantagem na esperteza precisa entender: quando todos são espertos, todos são otários. Porque, no final, ninguém ganha, e o que se perde é uma sociedade minimamente viável. O preço da malandragem é a falência moral de uma nação que já não sabe distinguir progresso de decadência, e que sonha chegar ao “céu” mesmo que “abraçada ao capeta”. O Brasil não sairá da lama enquanto insistir na ilusão de que esperteza é sinônimo de vantagem. No fim, o preço é a própria nação.

quinta-feira, 13 de março de 2025

O Puro Suco da Desilusão

 

Por Jânsen Leiros Jr.

Sem rodeios, a verdade é nua: Lula, que por décadas simbolizou esperança e transformação, agora se vê marcado por índices que denunciam a crescente desilusão da população. De acordo com uma pesquisa recente da Folha de São Paulo, o presidente apresenta apenas 29% de aprovação – o menor índice dos seus três mandatos – enquanto a rejeição alcança 55%, um aumento significativo em comparação com os números anteriores.

No seu primeiro mandato, os índices oscilavam em torno de 38% de aprovação e 45% de rejeição. Já no segundo, a aprovação caiu para cerca de 35%, acompanhada por um aumento na rejeição. E hoje, com o terceiro mandato, os números evidenciam um declínio acentuado: a aprovação despenca para 29% e a rejeição se consolida em 55%. Esses números, expostos sem disfarces, revelam um cenário em que as pretensões políticas se desfazem diante de uma realidade dura e implacável.

Num verdadeiro olho nu, é impossível ignorar a crueza desses dados. As lentes que antes coloriam as expectativas e mascaravam as fissuras agora foram substituídas por uma visão limpa e sem rodeios – uma visão que não se intimida diante dos números. Em uma subversão dos fatos, onde se desconstroem as narrativas oficiais para revelar a verdade nua e crua, vemos que a queda na aprovação de Lula não é apenas um reflexo de mudanças momentâneas, mas o retrato da crescente insatisfação popular que se recusa a aceitar versões decoradas.

Essa disparada na rejeição evidencia que, para muitos, a esperança depositada em promessas ultrapassadas já não encontra eco na realidade do dia a dia. O desafio, portanto, não é apenas entender esses números, mas questionar as narrativas que os sustentam e as políticas que os alimentam. É preciso encarar os fatos de frente, sem filtros, para que possamos, enfim, construir um caminho que responda às verdadeiras necessidades da população.