“De
tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça...”
— Rui Barbosa
… e de tanto ver o Brasil ser roubado, começamos a achar graça... da própria
desgraça.
Na
semana passada, a Polícia Federal deflagrou uma operação que descobriu uma das
maiores fraudes da história recente do Brasil: 6,5 bilhões de reais
desviados em benefícios previdenciários do INSS. Isso mesmo. Seis bilhões e
meio. Não é erro de digitação.
Segundo
o que foi apurado, servidores públicos e intermediários fraudavam
aposentadorias, pensões, auxílios-doença e tudo mais que estivesse ao alcance
do braço comprido da corrupção. Usavam documentos falsos, laudos forjados,
pessoas mortas, CPFs inexistentes, e até processos judiciais plantados. Um
esquema sofisticado, em que o crime se profissionalizou com a mesma eficiência
com que o cidadão de bem é humilhado nas filas da Previdência.
Imagine
agora o aposentado real, que trabalhou quarenta anos, contribuiu direitinho, e
espera três, quatro, cinco meses — ou mais — para ter um benefício de R$ 1.300
liberado. Enquanto isso, fraudadores sacam pensões milionárias com certidões
frias e contas quentes. Ninguém sabe quantos beneficiários fantasmas existiram.
Mas os bilhões são reais. Muito reais.
Diante
disso, o mínimo que podemos sentir é indignação. Mas já estamos tão
anestesiados que o máximo que fazemos… é rir. Rir de nervoso, rir de desespero.
Rir da honra. Porque neste país, a honestidade virou piada — e a corrupção,
rotina.
Há
quem se ofenda quando digo que o Brasil é um país de bandidos. Mas, ora,
ofendem-se por quê? Porque é mentira… ou porque é verdade demais?
A
verdade é que o apetite dos bandidos por dinheiro público neste país tem
crescido de forma exponencial — e eles não estão nem disfarçando mais. É quase
um esporte nacional.
Vamos
lembrar de onde viemos. O primeiro presidente da República a sofrer impeachment
caiu por um escândalo envolvendo… uma Fiat Elba. Um carro popular. Um presente
indevido. Valor estimado, à época, na casa dos 10 mil dólares. Uma ninharia,
perto do que viria depois.
Logo
em seguida, o escândalo dos "anões do orçamento". Fraudes em emendas
parlamentares, usando laranjas, ONGs fantasmas e dinheiro escorrendo pelo ralo
da corrupção. Prejuízo estimado: 100 milhões de dólares. Um salto olímpico no
roubo institucionalizado.
Avançando
no tempo, tivemos mensalão, petrolão, rachadinhas,
pastores com barras de ouro, malas de dinheiro, cuecas abarrotadas, offshores
em paraísos fiscais… e agora, a cereja do bolo: fraudes nas contas de
aposentados e pensionistas do INSS, com rombo de 6,5 bilhões de reais! Uma
aberração contra os que mais precisam, os que menos têm.
A
pergunta que ecoa: onde isso vai parar? Ou, talvez, mais importante: quando
isso começou a parecer normal?
Como
bem disse Rui Barbosa, “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver
crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” E é esse riso
trágico que ouvimos hoje nos corredores da República.
Porque
aqui, quanto maior a fraude, maior o prestígio. Quanto mais você rouba, mais
você é respeitado — pelo menos entre seus pares. Porque, para o povo, o que
sobra é o corte no remédio, a fila na previdência, a escola sem merenda e o
transporte com catraca quebrada.
O
Brasil virou um bufê aberto de recursos públicos, onde quem tem fome de
desonestidade nunca sai de mãos vazias. E quem ousa denunciar é chamado de
radical, de moralista, de ultrapassado.
Mas
será mesmo ultrapassado querer um país decente? Será piegas pedir ética e
justiça?
O
que temos visto não é apenas corrupção. É uma falência moral, institucional e
social. E isso não se resolve apenas com novas leis. Resolve-se com vergonha na
cara. Com exemplo de cima para baixo. E com uma sociedade que se recuse a rir
da própria desgraça, que decida, enfim, se levantar da cadeira da passividade.
O
Brasil já teve orgulho. Já teve honra. Já teve heróis — ainda que anônimos. E
ainda os tem, espalhados pelo país, sustentando esse chão com trabalho honesto
e dignidade silenciosa.
É
hora de trazer esses heróis à luz. De recusar o riso fácil diante da
imoralidade. De olhar no espelho e recuperar o gosto por ser brasileiro — não
pelo futebol, não pelo carnaval, mas pela possibilidade de sermos, de novo, uma
nação séria.
É
hora de romper o ciclo. De dar nome aos corruptos, de exigir justiça, de erguer
a cabeça e não aceitar mais o título de país dos espertos, dos bandidos, dos
impunes.
Enquanto
isso, seguimos aqui — no rádio, na escrita, na resistência.
Não apenas tentando salvar alguma lucidez, mas plantando esperança lúcida,
crítica e firme. Porque rir da honra pode até virar hábito. Mas lutar por
ela ainda é o maior ato de amor que se pode oferecer a um país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário